Decreto vai combater empresas que lucram ao ajudar pessoas a rastrear seus ancestrais, afirma ministro italiano
O governo da Itália endureceu na última sexta-feira, 28, a lei que concede o direito à cidadania aos descendentes de italianos nascidos no exterior. A medida deve impactar diretamente descendentes que moram no Brasil. As informações são do portal DW.
Pelas regras atuais, qualquer pessoa que consiga provar que teve um ancestral italiano vivo após 17 de março de 1861, quando o Reino da Itália foi criado, pode solicitar a cidadania. Dessa forma, não havia limite de gerações para solicitar cidadania por sangue.
Mas o decreto aprovado na sexta muda esta orientação e estipula que os descendentes de italianos nascidos no exterior só receberão a cidadania automática por duas gerações: ou seja, se pelo menos um dos pais ou avós tiver nascido na Itália.
O objetivo, segundo o governo, é conter a “comercialização” do passaporte italiano e o aumento de solicitações, vindas principalmente da América do Sul, para onde milhões de italianos emigraram nos séculos 19 e 20. Farroupilha, por exemplo, é o berço da Imigração Italiana no Rio Grande do Sul. Em 2025, é celebrado os 150 anos da chegada das primeiras famílias, que se estabeleceram em Nova Milano.
O ministro das Relações Exteriores italiano, Antonio Tajani, defendeu que a norma combate empresas que lucram ao ajudar pessoas a rastrear seus ancestrais e buscar certidões de nascimento necessárias para os pedidos – sobrecarregando os cartórios municipais com demandas por documentação. “Estamos agindo de forma muito rigorosa contra aqueles que querem ganhar dinheiro com a oportunidade de se tornarem cidadãos italianos”, disse.
“A nacionalidade não pode ser um instrumento para poder viajar para Miami com um passaporte europeu”, disse Tajani, em entrevista coletiva depois que o Conselho de Ministros aprovou a nova legislação.
O que muda com a nova regra
A Itália concede sua nacionalidade seguindo, entre outros, o princípio do “jus sanguinis” (direito de sangue), ou seja, por descendência ou filiação, o que levou muitos estrangeiros, descendentes de antigos emigrantes italianos, a reivindicá-la.
Com as regras novas, mesmo quem seja filho ou neto de brasileiros que obtiveram a cidadania italiana anteriormente, mas não nasceram no país europeu, não poderá solicitar o benefício.
As regras valem para novos pedidos apresentados a partir de 0h desta sexta-feira, no horário italiano. Ou seja, apenas quem protocolou um pedido até as 19h59 do dia 27 de março, no horário de Brasília, ainda está sujeito à norma antiga. Nada muda para quem já possui a cidadania ou o passaporte italiano.
“A partir da meia-noite você não poderá mais solicitar a cidadania com as regras antigas, mas somente se tiver até avós italianos”, disse o ministro.
O decreto tem força de lei e vale por 60 dias, período que o parlamento italiano deve analisá-lo e mantê-lo, ou descartá-lo. A coalizão da primeira ministra Giorgia Miloni detém maioria no Legislativo e vem se mostrando favorável a políticas anti-imigração.
Outras mudanças serão discutidas no parlamento
Na segunda fase da reforma proposta pelo governo italiano, um projeto de lei será apresentado para obrigar que os italianos nascidos ou residentes no exterior mantenham vínculos reais com o país europeu, exercendo seus direitos e deveres na Itália pelo menos uma vez a cada 25 anos.
Isso muda o atual modelo, que não obriga qualquer comprovação de vínculo com o país europeu após solicitada a cidadania.
A reforma também inclui um segundo projeto de lei que vai revisar o procedimento de reconhecimento de cidadania. A nova regra obrigará os interessados em obter a cidadania a apresentar seu pedido diretamente ao Ministério das Relações Exteriores da Itália, em Roma, não sendo mais possível aplicar nos consulados locais.
Diferente do decreto, os dois projetos de lei precisam ser aprovados pelo Parlamento Italiano para terem validade, mas consulados italianos em diversos países, incluindo o Brasil, já informaram que vão suspender temporariamente os pedidos até segunda ordem.
O governo argumenta que a proposta vai aliviar os consulados e prefeituras italianas de processar milhares de pedidos que chegam todos os anos. Atualmente, ao menos 60 mil solicitações estão em análise pela burocracia italiana.
Governo critica comercialização do passaporte e salto de pedidos
O ministro Antonio Tajani afirmou que o número de italianos nascidos ou residentes no exterior aumentaram 40% na última década, de 4,6 milhões para 6,4 milhões. Na América do Sul, o número de descendentes com nacionalidade reconhecida passou de 800 mil para mais de dois milhões nos últimos 20 anos.
No Brasil, as solicitações aprovadas saltaram de 14.000 em 2022 para 20.000 no ano passado. No país, há diversos relatos de cidadãos que aguardam anos na fila do atendimento para conseguirem solicitar o benefício.
A Itália tem uma população de cerca de 59 milhões de pessoas, que vem diminuindo na última década. O Ministério das Relações Exteriores estimou que, sob as regras antigas, de 60 a 80 milhões de pessoas no mundo poderiam ser elegíveis para a cidadania italiana.
“Infelizmente, nos últimos anos, houve abusos que foram além do interesse real em nosso país”, continuou o ministro.